Autor: Stênio Gardel
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 152
Neste primoroso romance de estreia, acompanhamos a trajetória de Raimundo, homem analfabeto que na juventude teve seu amor secreto brutalmente interrompido e que por cinquenta anos guardou consigo uma carta que nunca pôde ler.
Raimundo, nascido no interior, deixou de estudar para ajudar nas atividades na roça com seu pai. A partir daí vem o enredo com seu melhor amigo, Cícero. Onde ambos descobrem a sexualidade, se apaixonam entre si - essa parte foi a mais impactante para mim, pois quando li o resumo do livro imaginei que seria um relacionamento hete, não me pergunte o porquê, apenas achei. Todavia, isso que me fez ficar com mais vontade de devorar o livro pois foi de encontro ao que a minha imaginação esperava - Parabéns, Stenio!
O livro é narrado entre passado e presente de forma super poética, até um tanto confusa incialmente, mas depois de algumas páginas você consegue entrar no ritmo da leitura e é impossível ler sem uma boa interpretação - achei fantástica a ideia. Acredito que um ponto de atenção quanto a escrita é o regionalismo que pessoas de outras regiões, estados, possam ter dificuldade no entendimento - o autor é do interior do Ceará e ele refletiu isso na escrita. Nós como cearenses sabemos quão difícil é até mesmo para nós nos entendermos ás vezes XD.
A família de Raimundo e Cícero, como se já é de esperar, não aceitava o relacionamento deles, um casal homoafetivo. Então, aqui começa todo a dor da leitura. Nossa, como se torna difícil a cada página. Cícero não vai ao último encontro deles mas manda uma carta pela irmã de Raimundo, maaaaas, como tem no início do texto, Raimundo não sabe ler. Raimundo ficou com raiva disso e eu também, óbvio! Que ideia mas sem cabimento, gente. Se fosse eu já ia entender que a pessoa não queria nada comigo mesmo, porque não facilitou em nada, misericórdia.
Dor! Dor! Dor!
Aqui desenrola-se uma tragetória de Raimundo na vida adulta, ganhando a vida em outras cidades e sem largar a bendita carta que Cícero escreveu para ele. Episódios de homofobia, inclusive de Raimundo são frequentes. Nessa parte me pegou o fato de Raimundo preferir ser chamado de ladrão do que de gay - como a homofobia era gritante, e ainda é. Mas é de partir o coração a história de Suzzanný, o próprio romance de Raimundo e Cicéro e, para mim, o mais impactante, a história do pai e tio de Raimundo. Nossa! Aqui eu levei um soco no estômago! COMO ASSIM? e a raiva que sentia do pai de Raimundo assoitando-o para que ele deixasse de ser gay quando descobriu o relacionamento dele com Cícero, passou para tristeza e até compreensão. QUE LOUCURA!
A dor da exclusão, a dor do medo, da vergonha de se mostrar por inteiro para as pessoas, do preconceito e da miséria que assolam os mais fragilizados.
Acredito que esse livro deveria ser obrigatório para todo brasileiro, pois ele é certeiro no que se propõem.
P.S.: Se você é daqueles que grifa, marca ou escreve nos livros se prepare para pintar todas as páginas com todas as cores possíveis do arco-íris.